segunda-feira, 25 de junho de 2012

Presidente da Abece não acredita em crise na engenharia



O Engenheiro Eduardo Barros Millen afirma que é hora de repensar e mudar os fatores que indiretamente contribuem para os colapsos nas construções. Para Millen, a qualidade da engenharia brasileira é o que ainda impede um número maior de acidentes

Kelly Carvalho

Na última década, o Brasil presenciou uma série de colapsos de edifícios novos, antigos e obras de infraestrutura que repercutiram negativamente no setor da construção. A recente queda de três prédios no Rio de Janeiro, na última quarta-feira (25), do edifício em obras Real Class em janeiro de 2011, em Belém, e a queda de vigas de 85 t de um viaduto em obras no trecho sul do Rodoanel Mario Covas, em São Paulo, atingindo dois carros e um caminhão, são apenas alguns dos exemplos dos acidentes recentes. Há muito tempo, lideranças e representantes setoriais vêm denunciando os problemas que indiretamente têm contribuído para esses desabamentos, como a má qualificação de mão de obra, prazos apertados, custos reduzidos, fiscalização inadequada e falta de manutenção. Nessa entrevista, o engenheiro estrutural Eduardo Barros Millen, presidente da Abece (Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural), fala sobre segurança das construções, projetos, prazos, exercício profissional e fiscalização. Confira:


Divulgação: Abece
A engenharia brasileira está em crise?
Não há crise em nossa engenharia com relação à segurança. Pelo contrário, porque temos engenheiros de alto nível técnico, não deixamos nenhuma crise se estabelecer. Mas temos de tomar providências, pois a engenharia está atendendo necessidades e prazo, embora com dificuldades, e isso poderia ser melhorado. Não estamos tendo mais acidentes porque a engenharia brasileira é de excelente qualidade. Senão, o número de acidentes seria muito maior.  A engenharia brasileira está no mesmo nível das grandes escolas do mundo. Perdemos um pouco com relação a equipamentos, mas a teoria de projeto e execução estão no patamar mais alto.
Mas nos últimos anos, verificamos uma sucessão de desabamentos de edifícios antigos e em execução, além de problemas com obras de infraestrutura. Esses colapsos estão aumentando?
Não é só impressão, há um aumento gradativo desses eventos desastrosos.  Como razão imediata, em consequência de algum erro de execução, de reforma eventualmente, de obras em construção. Mas essas são causas imediatas, temos que pensar um pouco mais nas causas conjunturais. Deve haver uma mudança de atitude dos profissionais, contratantes particulares ou governo e também do usuário final. Todo mundo tem que fazer um exame de consciência e mudar.
De uma forma geral, vemos uma série de problemas relacionados à qualificação profissional, manutenção e fiscalização. Como resolver todos esses aspectos para melhorar a segurança das construções?
Devemos começar pela própria formação dos engenheiros. Nos últimos anos, as escolas de engenharia têm reduzido o número de horas-aula. Um período de cinco anos já era pouco, mas as escolas têm graduado esses profissionais com quatro anos de curso, sem uma formação completa. O engenheiro sai de uma escola e vai trabalhar. Em qualquer lugar sempre haverá um prazo a cumprir e ele terá de se acostumar à forma de trabalho daquele local. Com formação adequada, ele tem base para se adaptar, caso contrário, terá muita dificuldade. Além disso, essa formação está muito genérica, sem as funções bem determinadas. A engenharia está evoluindo e as escolas não estão formando para essa evolução. Do ponto de vista escolar, tinha de haver estágios obrigatórios na área de atuação que o aluno pretende seguir. Por exemplo, se o aluno quisesse trabalhar em estruturas, precisaria ter estágio obrigatório nessa área. Isso teria que fazer parte do currículo.
Como o senhor vê a regulamentação do exercício profissional atualmente?
O Crea, como órgão regulador, não poderia dar um diploma e credencial para um recém-formado com os mesmos atributos de um profissional com 40 anos de experiência. Alguém com até cinco anos de experiência tem determinada possibilidade de assumir algum tipo de trabalho, mas nunca poderia, por exemplo, assumir a responsabilidade técnica de uma barragem. Precisa haver uma limitação de responsabilidade. Temos visto muitas construções sob responsabilidade de recém-formados porque não há mão de obra suficiente, mas esse engenheiro não tem a experiência necessária.
Mesmo com a carência de mão de obra, é senso comum no setor que a remuneração é baixa e tem prejudicado a qualidade das obras.
Temos deficiência de mão de obra porque a engenharia ficou sucateada por 20 anos, a partir da década de 1980. E ficamos esse período sem formar muitos engenheiros. Com essa falta de mão de obra, o nível salarial melhorou, mas está longe de ser coerente com a responsabilidade que assume um profissional de engenharia. Fazer um projeto estrutural, definir o aço, concreto e receber menos de meio por cento do valor da obra é uma afronta à engenharia e aos profissionais. É preciso pagar bem para que esse profissional trabalhe num regime normal, de oito horas. Vemos profissionais trabalhando 12 horas por dia para sobreviver. Isso cansa o engenheiro, mas porque ele é bom profissional e tem muita responsabilidade, está trabalhando e fazendo o máximo para cumprir os prazos exigidos.
Os prazos curtos também têm prejudicado o setor?
Ninguém mais quer fazer obra em prazo natural. O concreto, por exemplo, é um material que tem tempo para enrijecer e conferir a segurança necessária. Esse tempo tem sido reduzido pelos avanços na tecnologia do concreto, mas mesmo assim, os prazos têm de ser reestudados. A data de entrega da obra não pode ser diminuída por ganância, e as obras públicas não podem ser finalizadas com base nos prazos de campanhas políticas. Isso está errado. Vários desses estádios em construção terão problemas estruturais no futuro, porque estão sendo feitos de maneira muito veloz, sem os cuidados e critérios necessários.
Mas esse não é também um problema com relação à fiscalização? O que fazer minimamente para garantir a segurança nas construções?
Já faz parte da cultura internacional que o escritório que projeta passe seu trabalho para que outro escritório independente faça a verificação. No Brasil, esse procedimento está um pouco mais comum, mas ainda há profissionais de projeto que desconfiam quando outro faz essa verificação, como se quisesse denegrir seu trabalho. Não é nada disso. Essa argumentação é pouco resistente. Também é preciso tomar os devidos cuidados com programas computacionais. Computador é imprescindível, ninguém mais trabalha sem usar programas de calculo, execução, controle e gerenciamento, mas esses sistemas devem ser trabalhados com inteligência humana. Se o profissional não fizer uso dessas ferramentas de acordo com os critérios do programa, o resultado pode ser uma bobagem. E por falta de experiência, o engenheiro joga a informação no computador e ele acredita que o resultado está perfeito. É preciso fazer análise critica do resultado e só quem tem experiência pode fazer essa análise crítica. E isso não está sendo feito. Falta tempo, prazo, às vezes sai algo sem a devida verificação.
E quanto à fiscalização de obras?
Na obra é a mesma coisa. Executando, tem que ter uma fiscalização, mas não como a de hoje,  só para fazer medição. Ninguém se preocupa em saber se o concreto é adequado, se a armação está na posição correta, essas questões...
De que forma essa fiscalização deveria estar estruturada?
Devia existir algum mecanismo para exigência de fiscalização. Assim como a prefeitura exige, por exemplo, um alvará para construção, deveria exigir a responsabilidade de alguém que vai verificar a obra. Pode ser que não funcione, porque tem o engenheiro "canetinha", que assina e nem vai ver a obra - esses profissionais são um câncer para a engenharia - mas poderia ser feita uma verificação. Deveria ser feita uma concorrência para projeto e uma concorrência para verificação do projeto. É uma segurança a mais. Algumas autarquias do governo fazem esse tipo de verificação, como o metrô, que tem uma equipe técnica, embora sejam sobrecarregados, assim como Infraero, DER, pessoal de controle de barragens, mas a gente sempre nota que são profissionais com muito trabalho para fazer e com prazos apertados. É aquela pressão ruim.
De quem deveria ser, afinal, esse papel fiscalizador?
O poder público tem que organizar esse mundo todo. A fiscalização deveria ficar dentro de sua competência. Hoje o poder público recebe anteprojetos de arquitetura e aprova a execução da obra. A prefeitura não exige projetos executivos. Essa é uma luta de anos das entidades, para que as obras sejam contratadas por projeto executivo, porque haverá muito mais segurança. Em casos de prédios mais novos, como o de Belém do Pará que caiu durante a construção, há um projeto executivo, pode-se buscar informações com o projetista ou a construtora para descobrir as razões da queda e evitar essas causas. Mas a prefeitura deveria ter esses projetos. Se daqui a 30 anos cair um prédio, a prefeitura não terá um projeto executivo. Veja o caso do desabamento no Rio de Janeiro. Então, a exigência desses projetos é uma necessidade.
No caso específico do desabamento de três edifícios no Rio de Janeiro, o primeiro que caiu teria sofrido uma série de intervenções ao longo dos anos, como acréscimo de pavimentos, aberturas de vãos em empenas cegas, entre outros. Essas reformas poderiam ter sido feitas, antes mesmo da última intervenção que teria causado o colapso?
A reforma que estava em andamento é considerada a causa mais provável, não importa se o prédio tinha mais ou menos pilares. Seguramente algum fato que ocorreu causou o colapso. Se o prédio estava lá ate hoje, alguma resistência tinha. Estava com a estrutura adequada e estável, porque ficou anos lá. Mas foi feita alguma modificação, na minha interpretação, alguma coluna foi afetada.
A  prefeitura poderia ter evitado esse colapso se soubesse da reforma?Para qualquer reforma, é obrigatória a obtenção de autorização da prefeitura. Mas a prefeitura vai observar a área em que será realizada a reforma, se não haverá uma invasão de calçada, por exemplo, mas não vai verificar a parte estrutural. Então, não ia adiantar nada se a prefeitura tivesse recebido essa solicitação.